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"UMA NOVA EPISTEMOLOGIA” - A TEORIA GERAL DOS SISTEMAS


Por: Susanne de Araujo Olivieri – Graduada em Geociências pela Universidade de São Paulo, Pós-Graduada em Teoria das Constelações Familiares pela Unyleya, Pós-Graduada em Métodos Alternativos de Solução de Conflitos pela Escola Paulista de Magistratura – SP, e Graduanda do Curso de Direito na Faculdade Campos Salles.

publicado em Maio de 2023.



"Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência" (Thomas Kuhn, 1975).

A epistemologia estuda a estrutura, a origem, os métodos e a legitimidade da produção de conhecimento. É um dos ramos da Filosofia, que podemos chamar de Filosofia do Conhecimento. Os principais questionamentos que a Epistemologia busca responder são: O que conhecemos? Como conhecemos? O que a ciência faz? É viável e temos recursos para defender o conhecimento contra o desafio cético?

O conceito de Paradigma representa uma visão de mundo. Isso quer dizer que as pessoas agem de acordo com as premissas de um paradigma específico, no qual se identificam ou simplesmente é o consenso vigente sobre uma maneira de entender, de perceber e de agir. O Paradigma é um conceito das ciências e da epistemologia, que define um modelo a ser seguido para se alcançar um objetivo. É um pressuposto filosófico que origina o estudo de um campo científico, uma referência inicial considerada como base de modelo para estudos e pesquisas.

Em uma breve linha do tempo evolutiva, podemos observar as mudanças na forma de ver o mundo e produzir inovações, que tiveram início na Pré-história, período que antecede a escrita e em que se acreditava que fenômenos naturais eram de responsabilidade dos deuses. O entendimento do mundo se dava pela criação de mitos.

Na Grécia Antiga, entre os séculos VIII e VI a.C., havia a teoria do conhecimento clássico. As respostas que antes eram baseadas apenas na religiosidade agora eram fundamentadas na observação de uma ordem na natureza, na causa e efeito. A Medicina, Filosofia, Astronomia, História e outras áreas do conhecimento passaram a se desenvolver nesse período.

O período conhecido como Idade Média, do século I ao XIII, foi marcado pela queda do Império Romano, resultante das invasões bárbaras. Nesse período, houve grande evolução na teoria e na prática do Direito, mas pouca relevância nas outras áreas da ciência.

Por fim, o Renascimento, do século XIII ao XV, foi marcado pelo racionalismo e humanismo, sendo um período de grande avanço científico em diversas áreas.

Thomas Kuhn (KUHN, 1975), físico renomado por suas contribuições à História e Filosofia da Ciência, principalmente ao processo que leva à evolução do desenvolvimento científico, definiu como paradigmáticos os feitos científicos que geram modelos que orientam o desenvolvimento das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas suscitados. A ciência baseia nosso modo de viver, e as sociedades adotaram o conhecimento objetivo como fonte de verdade, em virtude das conquistas obtidas pela ciência, as quais abriram perspectivas para um desenvolvimento notável da humanidade.

Atualmente, a ciência pode ser compreendida ainda pelo racionalismo mecanicista, herdado dos filósofos da Revolução Científica do século XVII, como Descartes, Bacon e Newton. Para os cientistas dos séculos XVII, XVIII, os organismos vivos são como máquinas somente, e podem ser perfeitamente explicados sob o ponto de vista da física e da química, é uma visão objetiva de nós mesmos. Descartes separou definitivamente a ciência da filosofia. Esse modo de entender o mundo e de produzir ciência foi muito bem-sucedido, para exemplificar podemos destacar as descobertas na área da saúde, aperfeiçoamento dos microscópios, descobertas de doenças, medicamentos, vacinas, todo sequenciamento genético, foram descobertas feitas baseadas no conhecimento unicamente físico-químico da natureza. Descartes separava o sujeito do conhecimento do objeto do conhecimento, mas hoje já consideramos que inexiste a realidade independente do observador.

O pensamento sistêmico ou teoria sistêmica surgiu no século XX propondo uma renovação de paradigma, até então dominado pelo racionalismo mecanicista, se apresentando como mais uma perspectiva da realidade, que abrange o desenvolvimento humano sobre a ótica da complexidade; emergiu de forma não linear, e propõe uma nova visão da realidade, que aborda a natureza e a humanidade sobre a ótica da complexidade, sem negar a ciência sob o ponto de vista mecanicista, contudo, amplia o espectro de pesquisa para que a ciência se desenvolva conjuntamente com a subjetividade humana, se valendo, inclusive, de conhecimentos interdisciplinares. Para o Pensamento Sistêmico, o que há é uma teia, uma rede de relações.

O cientista austríaco Ludwig Bertalanffy criou a Teoria Geral dos Sistemas, (BERTALANFFY, 1977) visando elaborar leis que fossem capazes de explicar como funcionam os sistemas de forma geral. Foi junto com um biomatemático e um fisiologista que Bertalanffy criou o Centro de Estudos Superiores das Ciências do Comportamento, que mais tarde se tornou a Sociedade de Pesquisa Geral dos Sistemas, sempre com o objetivo de realizar pesquisas acerca de sistemas teóricos capazes de serem aplicados a mais de uma das disciplinas tradicionais da ciência.

A teoria trazia princípios e leis que se aplicavam aos sistemas de uma forma ampla, independentemente de seu tipo específico, da natureza de seus elementos e das relações que atuavam entre eles.

No caminho traçado para alcançar esses princípios universais com aplicabilidade aos sistemas em geral, obteve como resultado três propriedades que estariam presentes em sistemas.

- O todo, que se refere ao fato de todos os sistemas serem formados de elementos interrelacionados e interdependentes;

- A relação, ou seja, como as estruturas básicas dos elementos se relacionam;

- A equifinalidade, que é a característica de o mesmo estado final poder ser atingido partindo de diferentes condições iniciais e de diversos modos.

Bertalanffy questiona a predominância do conhecimento unicamente físico-químico na ciência, e publica a Teoria Geral dos Sistemas, conferindo importância ao Pensamento Sistêmico como um movimento científico por meio de suas concepções de sistema aberto. Segundo o autor, organismos vivos são sistemas abertos que não podem ser descritos pela termodinâmica clássica, que trata de sistemas fechados em estado de equilíbrio térmico ou próximo dele, não obstante, os sistemas abertos podem se alimentar de um contínuo fluxo de matéria e de energia extraídas e desenvolvidas pelo meio ambiente (BERTALANFFY, 1977).

Os pressupostos da ciência tradicional são as crenças na simplicidade do microscópico; na estabilidade do mundo e na objetividade e realismo do universo, contrastando com o novo paradigma, onde o cientista assume três novos pressupostos:

- a crença na complexidade em todos os níveis da natureza;

- a crença na instabilidade do mundo;

- a crença na intersubjetividade como condição de construção do conhecimento do mundo. (VASCOCELLOS, 2002).

Segundo a Teoria dos Sistemas, fazemos parte de um todo organizado e dinâmico, a mudança em uma das partes desse sistema provoca mudanças no todo. O sistema não é simplesmente a soma das partes, o indivíduo faz parte do sistema, mas mantem sua individualidade, como uma orquestra sinfônica, um conjunto de elementos relacionados entre si com um sentido comum e que cada um deles possui um papel.

O pensamento sistêmico propõe uma nova visão do mundo e do homem. Ao cientista é exigido também uma nova atitude, que significa muitas vezes ampliar o foco e entender que o indivíduo não é o único responsável pelo seu enredo problemático, mas que existem relações que geram tais disfuncionalidades.

A formação do pensamento sistêmico se dá pelo conhecimento e representação dos chamados Sistemas; que consideramos como o todo e foi elaborado a partir da necessidade de respostas complexas exigidas pela ciência. Para melhor compreendermos a perspectiva sistêmica, primeiramente precisamos elencar as principais características de um sistema, quais sejam:

- Um sistema é composto por partes;

- Todas as partes de um sistema devem se relacionar de forma direta ou indireta;

- Um sistema é limitado pelo ponto de vista do observador ou um grupo de observadores;

- Um sistema pode abrigar outro sistema;

- Um sistema é vinculado ao tempo e espaço. (VASCOCELLOS, 2002)

Como vimos anteriormente, o pensamento sistêmico pode ter como objetivo, identificar padrões de relacionamentos interpessoais e para então reestruturá-los, e torná-los mais harmoniosos. A evolução desse paradigma se mostrou uma alternativa eficiente ao reducionismo, um modo de pensar muito difundido mesmo nos dias de hoje, mesmo considerado simplista.

De acordo com Capra (CAPRA, 1996), o pensamento sistêmico tem suas bases teóricas na física quântica, biologia organísmica, na psicologia Gestalt e na ecologia. Não é uma tecnologia, é uma disciplina, porque constitui um regime de ordem consentida livremente pela pessoa ou pelo grupo interessado.

Para dar sequência à origem do pensamento sistêmico, é importante voltar mais um pouco ao passado, para um programa iniciado em 1950 no Instituto de Pesquisa da Saúde Mental (MHRI) chamado de Teoria Geral de Sistemas, que joga luz sobre as interações entre seres humanos e ambientes. Esse projeto foi liderado por James G. Miller, Anatol Rapoport, Kenneth Boulding, John Platt, Richard L. Meier e Walter Cannon.

Cientistas desenvolveram a abordagem sistêmica na Universidade de Pensilvânia e Universidade Case Western Reserve, que dá ênfase na relação produtor (e todo seu sistema) - produto (que pode revelar padrões), no lugar do raciocínio simples de causa-feito. Uma outra importante consideração desse grupo foi considerar as organizações como estruturas circulares, e no desenvolvimento e planejamento interativo entre os níveis hierárquicos de empresas e instituições.

O sistema pode ser definido como um grupo de componentes interligados, interdependentes ou inter-relacionados, que formam um todo complexo e unificado, , e existem cinco características essenciais de um sistema: (ANDERSON E JOHNSON, 1997)

1) Todas as partes precisam necessariamente estarem presentes para garantir o funcionamento ótimo do sistema;

2) É necessário para o sistema fazer um arranjo específico para as partes para que se consiga alcançar a sua meta;

3) Os sistemas realizam as suas metas específicas e próprias dentro de sistemas ainda maiores;

4) Os sistemas mantêm a sua estabilidade por meio da flexibilidade e ajustes;

5) Existem fluxos de retroalimentação em sistemas e são formados de estruturas. A estrutura tem por definição a maneira pela qual os componentes do sistema estão inter-relacionados como um todo, ou seja, a organização do sistema. (ANDERSON E JOHNSON, 1997)

O pensamento sistêmico é uma disciplina que olha para o todo. É uma referência importante para entender os inter-relacionamentos, para ver os padrões de mudanças, portanto, atualmente é mais do que necessário, pois nos tornamos cada vez mais desvalidos diante de tanta complexidade.

Os avanços tecnológicos são catalizadores de mudanças na sociedade que passou a ser mais complexa, a quantidade de informações que hoje se produz é muito maior do que o homem é capaz de absorver, podemos observar os ambientes que nos rodeiam, para identificar diversos de “colapsos sistêmicos”, problemas como incêndios e desmatamento de florestas, aquecimento global, milícias, movimentos antidemocráticos, guerras, tráfico de drogas, problemas que não possuem uma simples causa regional.

Ante toda essa complexidade, podemos ter a sensação de impotência quando olhamos para os sistemas como uma força invisível a nos engolir, mas o pensamento sistêmico ajuda a compreender que as mudanças se iniciam primeiramente com o nosso modo de pensar, e passa a seguir para uma análise de outras mudanças de maior ou menor progresso, começamos a ver relacionamentos e interações, ao invés pontos isolados, considerando as mudanças como algo progressivo e contínuo.

Para colocar em prática o pensamento sistêmico podemos fazer uso de um mecanismo simples chamado feedback, que mostra como as ações podem se reforçar ou se equilibrar umas às outras. Podemos com essa prática reconhecer os tipos de “estruturas” que se repetem de forma contínua. O feedback de reforço ou de amplificação, são os impulsionadores do movimento, sempre que alguém estiver em uma situação em que as coisas estão crescendo, ou estiverem em um declínio acelerado o feedback de reforço está agindo. E por outro lado, temos o feedback de equilíbrio ou de estabilização, que entra em ação sempre que existe um comportamento estático, em que não há mudança, mesmo que está seja recomendável, a situação é de estagnação.

Identificando os feedbacks podemos ver o sistema e influenciar seu funcionamento. O psicólogo Robert Merton (GREENLANE, 2019) identificou esse fenômeno como a “profecia autorrealizadora”. Quando estamos no reforço, as pequenas mudanças se acentuam e qualquer movimento que ocorra é amplificado, produzindo mais movimentos na mesma direção e podem ter um efeito de “bola de nove”, nos quais as coisas começam mal e pioram à medida que crescem. O feedback de equilíbrio busca a estabilidade, caso se esteja de acordo com o funcionamento do sistema, temos uma situação satisfatória, caso contrário, o indivíduo se sentirá estagnado e frustrado ante os esforços que faz em vão para sair da situação que não o favorece.

A natureza sempre tende ao equilíbrio, em um sistema de estabilização, existe uma autocorreção que tenta manter o sistema girando sempre da mesma forma, e em geral os círculos de equilíbrio são muito mais difíceis de identificar do que os de reforço, e tendemos a nos responsabilizar pela estagnação, o que pode ser muito penoso, sentimos um resistência muito forte, que é a resposta do sistema e na maioria das vezes, nada acontece, porque não conseguimos ver as forças que estão agindo, e lutamos com as armas erradas, enquanto não entendemos o sistema os esforços de mudança estarão condenados ao fracasso. Temos que chegar na fonte da resistência, e para isso temos que voltar no olhar para o todo.

Capra acredita no surgimento de um novo paradigma científico, que se caracteriza pela necessidade de mudança na forma de perceber realidade, ou pela mudança de olhar sobre o objeto pesquisado, ou pela exigência de uma consciência ecológica. A situação da ciência tradicional se torna então obsoleta e as mudanças não ocorrem somente quando o cientista está trabalhando, produzindo conteúdo científico, ele terá uma nova crença, um novo pressuposto epistemológico para sua vida, resultando uma mudança de ser e agir no mundo, considerando a inexistência da “realidade” e da “verdade”, lógica, única e estática, mas sim complexa que reflete a realidade com toda diversidade que lhe é inerente. Refletindo sobre essa nova epistemologia filosófica os pesquisadores se dão conta que os estudos seguem o caminho de uma “ciência da ciência”.


“Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependência”. (CAPRA, 1996)


O pensamento sistêmico é uma nova visão, com um novo conjunto de pressupostos, um novo paradigma para nossas ações no mundo. A realidade passou a ser para os cientistas uma construção de observadores, quando esses experienciam e, após, compartilham suas experiências individuais, definindo-as, por consenso, vão tomar como “realidade” para si, qualquer que seja as situações a que estejam se referindo, seja na área que for. É assim que se consolida um novo paradigma.

Podemos destacar como principais características da teoria sistêmica:

- Interdependência entre todos os fenômenos (físicos, biológicos, sociais e culturais). É uma teia de conceitos e modelos que são interligados;

- Nenhum paradigma teórico terá mais importância que o outro. Todos deverão adaptar-se um ao outro;

- Não haverá uma instituição melhor que a outra, mas deverão conhecer umas as outras, cooperando e comunicando-se entre si;

- Os sistemas são dinâmicos, e flexíveis, mesmo estando dentro de um mecanismo, ou seja, as partes são livres para mudanças desde que se mantenham na mesma estrutura;

- Toda atividade do sistema se baseia nas ações que chamamos de “transação”, que é a interação interdependente entre várias partes, tal interação é simultânea e mútua;

- O sistema acaba quando as partes deixam de atuar em sincronicidade e passam a ter atuações isoladas e independentes.

As características acima estão sempre focando no todo, e nas relações que estabelecemos, destacando que o sistema acaba quando as partes começam a funcionar de forma isolada, portanto, se diferenciam em muito dos valores dominantes que modelaram a nossa sociedade por centenas de anos, uma vez que estes valores baseavam-se nas premissas de um universo que funciona como um sistema mecânico, composto de blocos simples, assim como no entendimento que o corpo humano funciona como uma máquina somente. O interesse maior dessa sociedade mecanicista é a ascensão material ilimitada, fruto de um crescimento econômico advindo normalmente de tecnologias, isento de qualquer planejamento sustentável dos recursos naturais, é uma sociedade na qual a mulher por exemplo era posta em uma posição inferior à do homem, como veremos melhor adiante.

Transformar um profissional em um “profissional sistêmico novo-paradigmático” é quebrar estruturas, é rever seus pressupostos epistemológicos, principalmente em relação a existência de qualquer realidade independente do observador. Ao fazer essa análise e reflexão desse pressuposto da objetividade, o profissional passa a fazer suas próprias atribuições, chegando mais perto da realidade complexa, com foco nas relações e crescendo junto com esse processo através do autoconhecimento, uma vez que fazemos parte do todo, e o profissional é capaz de fazer a distinção da sua própria relação com todo em qualquer sistema que estiver trabalhando, é uma epistemologia que traz definitivamente, para o âmbito da ciência, o observador, o sujeito do conhecimento. Esse processo ocorre a qualquer um de nós, que se disponha a questionar “como conhecemos o mundo?”.


Bibliografia


CAPRA, F. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos, São Paulo – SP, Ed. Cultrix, 1996

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.

BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Ed. Vozes, 1977.

VASCONCELOS, M. J. E. Anais do I° Congresso Brasileiro de Terapia Familiar: A Cibernética como base epistemológica da terapia familiar sistêmica. São Paulo: Editora Rosa Mª Stefanini de Macedo – PUC, 1994.

VASCONCELLOS, M. J. E. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus, 2002

ANDERSON, V.; JOHNSON, L. Systems thinking basics: from concepts to causal loops. Cambridge, MA: Pegasus Communications, 1997

 
 
 

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